Saio em uma de minhas caminhadas, me distraio e vou além do que o corpo estava preparado naquele momento. Começo a me sentir cansada. Resolvo tomar um ônibus para retornar para casa, pois esse negócio de sacrificar o corpo em nome de coisas sem sentido, não faz a minha cabeça. Gosto de caminhar pelo prazer do contato com o mundo em geral e na verdade nunca pensando no físico. Isso faz parte do lado Guidinha que habita em mim.
Embarco em um ônibus e dentro dele percorro uns quatro quilômetros, retornando ao meu ponto de partida. Esse tempo que passei dentro dele foi o suficiente para observar e refletir no mergulho individualista que as pessoas estão dando para a vida em um mundo paralelo. Pude contar em determinado momento, vinte e três indivíduos com fones no ouvido como se isso fosse uma espécie de bateria a qual estavam ligados, alimentando suas vidas. Que horror! É gente a andar de um lado para o outro movida por um combustível sonoro que as deixam dependentes. Bloqueiam seus ouvidos aos sons naturais do mundo que as cerca. Parece verem tanto filme ou novela que pensam todas serem personagens embaladas por trilhas sonoras individuais. Ninguém quer aceitar os sons coletivos naturais. Isto quando não resolvem partilhar de forma ditatorial, através de celulares ou algo semelhante, as porcarias que escolheram para si. Tem gente inclusive querendo forçar a opção coletiva de salvação religiosa com cantores aos berros clamando por Jesus (dentro de ônibus...).
Quando minhas meninas eram pequenas, cantava sempre para elas uma canção onde a melodia é minha e os versos de Sonia Salerno Forjazque, diga-se de passagem, nunca ouviu falar de minha pessoa e tão pouco que tenha colocado música em seus versos. Embora a poesia seja simples, publicada em uma revista infantil, tornou-se muito significativa para mim desde que a li. Hoje gostaria de compartilhá-la aqui:
Ouça a canção (Sonia Salerno Forjaz)
Ouça a canção
De todos os momentos.
A vida sempre canta
É preciso estar atento.
Ouça os passarinhos
Que, ao nascer do dia,
Cantam satisfeitos
Tão bonita melodia.
Ouça quando o vento
Bem ligeiro passa.
Ouça o som da chuva
Quando bate na vidraça.
Ouça a canção
Das ondas do mar,
E aceite seu convite
Para nelas mergulhar.
Ouça aquele cão
Como está latindo,
enquanto, tão dengosa
A vaquinha está mugindo.
Ouça os instrumentos
Da banda animada.
O som dos tambores
E as cornetas afinadas.
Ouça do piano
Todos os seus tons.
São sete as notas
Que produzem tantos sons.
Ouça ao longe o sino,
A buzina do automóvel.
Ouça bem atento
O tic-tac do relógio.
E ao chegar à noite,
Antes de sonhar,
A mais linda melodia
Você pode escutar.
Pois dentro do seu peito
Bate um coração.
Feche bem os olhos
E ouça sua canção.
Por tudo isso, me recuso a andar com essas “rolhas” em meus ouvidos, ligadas a fios que se dirigem para fontes sonoras (geralmente enfiadas em algum bolso ou sacola). Não quero me sentir isolada no meio da multidão. Preciso de contato com o mundo e tenho esperanças de encontrar alguém que possa ouvir minha saudação de Bom Dia! - sem que responda apenas por me ver e ter a capacidade de fazer leitura labial, identificando as palavras que saem dos meus lábios.
Me entristece saber que muita gente não se interessa em ouvir a voz do coração.Lamento profundamente pelos que não conseguem perceber a linda melodia que embala a vida...